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Marcas da Devastação Rodoviarista – Brasilia Para Pessoas 4kj2n
Brasilia Para Pessoas

21
março
Publicado por Brasília no dia 21 de março de 2023

Texto e fotos: Uirá Lourenço

Sinto grande tristeza a cada árvore marcada que vejo. Na capital federal ‘moderna’ o retrocesso é bem evidente. Árvores são marcadas (numeradas ou pintadas com X) e depois cortadas em obras grandiosas de alargamento de pistas e construção de viadutos.

Centenas de árvores são suprimidas, de várias espécies, de pequeno e grande porte. Os tratores não perdoam. Na mais recente obra do tipo, centenas de árvores foram pintadas no canteiro central da via que a pelo Setor Policial (as do canteiro lateral já tinham sido marcadas e cortadas). As lindas paineiras estão com os dias contados.    

Vale lembrar alguns dos muitos efeitos benéficos das árvores na cidade: sombreamento e conforto térmico, embelezamento, atração de pássaros e outros animais, manutenção de área permeável que contribui para o escoamento da água de chuva. Em tempos de mudança climática, ampliar as áreas verdes é uma das medidas colocadas em prática em cidades que levam a sério a sustentabilidade. Bosques urbanos, hortas comunitárias e transformação de estacionamentos em praças e áreas de convivência são exemplos dessa tendência mundo afora.*

Árvores que foram marcadas e cortadas no canteiro lateral da Estrada Setor Policial Militar (ESPM). Maio/2022.

Entre as árvores marcadas no Setor Policial, estão várias paineiras frondosas, como esta que floresce de forma esplêndida no canteiro central. Maio/2022 (foto à esquerda) e Março/2023 (foto à direita).

Aqui ocorre o contrário, a Cidade Parque definha graças à visão rodoviarista dos seguidos governantes. Árvores frondosas cedem espaço para o asfalto quente e impermeabilizante. Áreas verdes são engolidas pelo sedento automóvel e se tornam áreas estéreis, sem vida. Como não lembrar da grande Jane Jacobs, ativista e urbanista que combatia o modelo de cidade voltado ao carro?

A erosão das cidades pelos automóveis provoca uma série de consequências tão conhecidas que nem é necessário descrevê-las. A erosão ocorre como se fossem garfadas – primeiro, em pequenas porções, depois uma grande garfada. Por causa do congestionamento de veículos, alarga-se uma rua aqui, outra é retificada ali, uma avenida larga é transformada em via de mão única, instalam-se sistemas de sincronização de semáforos para o trânsito fluir rápido, duplicam-se pontes quando sua capacidade se esgota, abre-se uma via expressa acolá e por fim uma malha de vias expressas. Cada vez mais solo vira estacionamento, para acomodar um número sempre crescente de automóveis quando eles não estão sendo usados.  Jane Jacobs, Morte e Vida de Grandes Cidades, pág. 389.

Outra área foi devastada recentemente, bem na área central tombada e de alto valor paisagístico. Entre o Parque da Cidade e o bairro Sudoeste começou a ser erguido um complexo viário (mais um!). Segundo notícia do governo, ‘a obra vai acabar com o gargalo na entrada do Sudoeste e fazer com que o trânsito flua na Epig, beneficiando diariamente cerca de 25 mil motoristas’. As novas pistas e o grande viaduto em construção serão uma barreira a mais para quem caminha e pedala. Sem contar o fluxo adicional de carros por dentro do Parque da Cidade, que resultará em mais barulho, poluição e insegurança no trânsito. Centenas de árvores foram dizimadas na região, incluindo ipês, paineiras, jacarandás, pinheiros e araucárias.

Árvores marcadas e suprimidas na entrada do bairro Sudoeste.

E outras áreas verdes na cidade vão sendo dizimadas aos poucos, convertidas em pistas e estacionamentos. Em volta do Centro de Convenções Ulisses Guimarães, a área gramada foi reduzida e surgiram mais vagas para os carros. Pra completar, em volta do estádio bilionário (sim, importante lembrar do superfaturamento e da grandiosidade questionável) palmeiras e mangueiras estão sendo cortadas. Segundo relatos de pessoas que aram pelo local, a causa da devastação é a construção de um heliponto. Sério mesmo?! Mas o estádio já tem uma área asfaltada – cinza e estéril – gigantesca em volta. Por que suprimir as poucas árvores que restaram? 

Árvores cortadas em frente ao estádio Mané Garrincha.

O descaso com as áreas verdes é impressionante. Em nome da fluidez motorizada, parece que vale tudo. A Cidade Parque e suas Estradas Parque perdem gradativamente o atributo verde de grande valor, verdadeiro patrimônio que diferencia (ou diferenciava) a capital federal.   

_________________________

* O vídeo da Hope, grupo que produz conteúdo sobre mudanças climáticas, ilustra bem as ações de valorização das áreas verdes, adotadas em cidades modernas pelo mundo. Publicado no Instagram:

Para assistir, clique na imagem ou e o link: https://www.instagram.com/reel/k4b0XNuzj/?igshid=YmMyMTA2M2Y=



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Uirá Uirá Lourenço
Morador de Brasília, servidor público, ambientalista e irador da natureza, Uirá é um batalhador incansável pela melhoria das condições de mobilidade na capital federal. Usa a bicicleta no dia a dia há mais de 25 anos e, por opção, não tem carro. A família toda pedala, caminha e usa transporte coletivo. Tem como paixão e hobby a análise da mobilidade urbana, com foco nos modos saudáveis e coletivos de transporte. Com duas câmeras e o olhar sempre atento, registra a mobilidade em Brasília e nas cidades por onde a, no Brasil e em outros países. O acervo de imagens (fotos e vídeos), os artigos e estudos produzidos são divulgados e compartilhados com gestores públicos e técnicos, na busca de um modelo mais humano e saudável de cidade. É voluntário da rede Bike Anjo, colaborador do Mobilize e membro da Rede Urbanidade.
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