O dia 1º de junho de 2012 ficou marcado por um triste recorde: a cidade de São Paulo (SP) registrou em suas ruas o maior índice de lentidão da história do Brasil, 295 km de morosidade. O recorde é um exemplo agudo da situação caótica enfrentada pelos moradores dessa cidade e de tantas outras do Brasil e do mundo, nas quais o excesso de veículos e a falta de planejamento urbano transformaram a locomoção em um desafio desgastante e demorado.
Essa realidade extrema trouxe para o centro das prioridades, nas grandes cidades, o tema da mobilidade urbana. “Mobilidade urbana é pensar os espaços a partir de uma concepção de escola humana, uma cidade para pessoas”, definiu Hélio Wicher Neto, advogado, cientista social e especialista em direitos urbanísticos.
Dentro dessa diretriz, para driblar a realidade, as cidades estão implementando soluções mais sustentáveis, criativas e, até mesmo, ousadas, como pedágios urbanos, utilização de bicicletas, obras de revitalização, entre outras.
O debate, que se intensifica a cada dia, vem despertando em governantes e na iniciativa privada a atenção para a necessidade de criar e colocar em prática políticas e iniciativas que revertam o quadro.
Em janeiro deste ano, o governo brasileiro aprovou a Lei da Mobilidade Urbana Sustentável (Lei Nº 12.1587), que pode ser definida como o resultado de um conjunto de políticas de transporte e circulação, cujo objetivo é proporcionar o o amplo e democrático ao espaço urbano, por meio da priorização dos modos não motorizados e coletivos de transportes.
Na opinião de Wicher, a principal inovação proposta é a obrigatoriedade que os municípios am a ter de fazer um plano diretor e também um plano de mobilidade. “A lei prioriza os não motorizados, favorecendo pedestres, ciclistas e o transporte público”, explicou.
Teleféricos, pedágios e vagas vivas
Com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, despontam ao redor do mundo iniciativas que têm impactado positivamente o modo de vida de seus habitantes. Um exemplo é o sistema de teleféricos de Medellin, na Colômbia. Lá, foram instaladas escadas rolantes no bairro de San Javier, que tem morros altos e de difícil o. Outro caso é Buenos Aires, na Argentina, onde a prefeitura fechou o centro da cidade e implementou o pedágio urbano.
Em São Francisco (EUA), a prefeitura recorreu a uma solução criativa para diminuir o volume de carros nas ruas e atrair pessoas para o espaço público: criou o sistema de “Vagas Vivas”. Com essa política, os comerciantes que desejarem ocupar o espaço para vagas de estacionamento em frente a seus estabelecimentos com jardins, por exemplo, participam de um edital, pagam uma indenização e, caso selecionados, obtêm o direito de ocupar o local. “Mesmo com a taxa de indenização, faltam vagas para o número de estabelecimentos que se interessam pelo projeto, o que atesta o sucesso da iniciativa”, argumentou Wicher.
O diretor de Planejamento da Compartbike, empresa especializada em soluções sustentáveis em mobilidade urbana, Pedro Rocha Monteiro, destaca a atuação da prefeitura de Londres, na Inglaterra, que implantou o TfL (Transport for London), órgão responsável por implementar a estratégia de transporte e istrar os serviços existentes na região metropolitana da cidade com um conjunto de ações coordenadas.
Entre as ações propostas pelo TfL está a restrição do uso do automóvel privado no espaço urbano, gestão do sistema de bikesharing na cidade e oferecimento de estacionamentos de bicicletas gratuitos para empresas londrinas que desejarem instalá-los para o uso de seus colaboradores.
“Houve um extenso estudo publicado pelo TfL em novembro de 2008 sobre a viabilidade de um sistema de bikesharing na cidade. O estudo se debruça sobre uma série de exemplos de sucesso e fracasso de sistemas existentes na Europa e propõe um sistema mais denso com recomendação de 8 estações de bicicleta por km2”, explicou Pedro. Em setembro de 2011, 1 ano após o sistema ter sido implementado com 315 estações e 5 mil bikes, foi realizada pelo órgão uma extensa pesquisa de satisfação entre os usuários. “Essa iniciativa também é essencial para planejar uma expansão do sistema e avaliar possíveis melhorias no sistema atual”, continuou.
Brasil: políticas de mobilidade urbana
Apesar do avanço que representa a recente Lei da Mobilidade Urbana Sustentável, as cidades brasileiras ainda engatinham na transformação e na utilização de seus espaços públicos. Mesmo assim, algumas iniciativas colocadas em prática ganham visibilidade e servem de exemplo para outras cidades.
Em 2010, São José dos Campos, em São Paulo, iniciou os estudos para o Projeto Centro Vivo. Ali, o o ao centro sempre foi dificultado por uma característica geográfica peculiar da cidade: ele está localizado entre dois vales, o que causava enormes engarrafamentos. Para solucionar a questão, a prefeitura implementou esse projeto de revitalização focando no adensamento do centro. “Levar pessoas para morar no centro a pela humanização do espaço”, explicou Wicher.
Outro exemplo de plano de mobilidade urbana brasileiro de sucesso está em Curitiba, capital do Paraná. A cidade possui uma política que busca a integração multimodal, criação participativa de um plano diretor metropolitano de transporte e mobilidade, implementação de anéis tarifários no transporte público e promoção de transporte limpo e sustentável. “No país, eu vejo Curitiba como a única grande metrópole que possui uma política integrada de mobilidade”, disse Monteiro, da Compartibike.
Vá de bike
A utilização de bicicletas é uma das saídas mais comuns adotadas por cidades ao redor do mundo para solucionar questões de mobilidade e potencializar a utilização dos espaços públicos. Esse meio de transporte, além de ser benéfico para a saúde, traz outras vantagens, entre elas, a redução da emissão de gases tóxicos na atmosfera e a possibilidade de utilização de recursos simples e de baixo custo para implantação do sistema cicloviário.
Em Nova York (EUA), o número de ciclistas foi incrementado em 50%, utilizando recursos de microo, como demarcação de divisões para bicicletas nas pontes, rampas, conserto de calçadas.
Rio Branco, capital do Acre, também apresenta um grande diferencial no quesito mobilidade urbana. A cidade possui a maior rede cicloviária per capita do País. Ao todo, são mais de 160 km de vias projetadas para 300 mil habitantes, o que transformou a bicicleta no meio de transporte mais popular do local.
“A cidade tem o Plano Cicloviário de Rio Branco, incorporado ao seu Plano Diretor. Mais uma vez, o segredo é, além da vontade política, ter como prioridade as pessoas. Todos, em algum momento do dia, são pedestres”, finalizou Wicher.
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