Onde estão os ex-ageiros de ônibus de Curitiba? 69t1x

Usuários seguiram a pé, em bikes, motos e carros, sugere estudo coordenado por Luis Fumagalli, da PUC/PR. Leia uma entrevista com o pesquisador 35u1

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Marcos de Sousa / Mobilize Brasil  |  Postado em: 05 de junho de 2025

Corredor de ônibus em Curitiba (PR): em busca do u

Corredor de ônibus em Curitiba: em busca do usuário perdido

créditos: Luis Costa/ SMCS


Luis André Wernecke Fumagalli é pós-doutorado em istração e especialista em estratégia na gestão urbana. Por volta de 2020 ele e outros pesquisadores* iniciaram um trabalho na PUC/PR para entender os motivos da gradativa e crescente perda de ageiros no sistema de ônibus de Curitiba.

Não por acaso, Fumagalli também é membro do conselho da empresa municipal Urbanização de Curitiba (Urbs), que gerencia o transporte público na capital paranaense, proximidade que permitiu o desdobramento do trabalho e a compreensão de que a "fuga" dos usuários é resultado de vários fatores, com o valor da tarifa, a qualidade do serviço oferecido e a possibilidade de optar por outras formas de transporte, como bicicleta, motocicleta, carro e mesmo os trajetos a pé. Nesta entrevista, o pesquisador explica detalhes do trabalho, que poderá orientar políticas públicas em várias cidades do Brasil.

 
O senhor coordenou um trabalho na PUC/PR sobre a perda de ageiros no transporte público de Curitiba. Os resultados mostram que a adoção de outras formas de transporte, como o carro, a moto, a bicicleta e mesmo a mobilidade a pé, roubam parcelas de ageiros que usavam os ônibus da capital paranaense. Isso acaba gerando um problema para a sustentabilidade do sistema de transporte da cidade. A informação da pesquisa é que seriam 52 agens de ônibus perdidas por mês para cada bicicleta que entra na cidade de Curitiba. E 201 agens/mês no caso de motos. É isso mesmo?

Esse artigo, especialmente sobre as bicicletas, já é o terceiro de uma série. A pesquisa foi motivada pelo pós-doutorado, mas com o interesse da Urbs [Urbanização de Curitibapara entender por que o sistema de transporte coletivo de cidade estava perdendo tantos ageiros. Em 2014, 2015, nós chegamos a transportar quase 2 milhões e 500 mil ageiros por dia. Durante a pandemia, claro, houve um decréscimo, chegou na casa dos 200 mil, mas já notávamos uma perda de ageiros antes da pandemia. E depois da Covid o sistema recuperou usuários, mas não ou de 1 milhão por dia. Então a Urbs e a minha pesquisa se alinharam para entender como poderíamos recuperar a atratividade para o ageiro. Porque o transporte público precisa se pagar. Não vou entrar nesse mérito de quem paga e quem não paga, mas o fato é que ele tem um custo. Os ônibus não rodam de graça. Então, fomos procurar entender quais eram as causas desse esvaziamento.


E quais foram os achados?
É claro que encontramos, não só na nossa pesquisa, mas em toda a literatura, que a decisão sobre o modo de transporte das pessoas depende de uma série complexa de variáveis, como a distância, o clima, o preço do combustível, o valor da tarifa, e se os pontos de ônibus ficam distantes, se são seguros. Mas, além disso, Curitiba é uma cidade com uma frota enorme de automóveis. Para você ter uma ideia, em uma situação de emergência, Curitiba poderia ser evacuada só com carros de eio. Nós temos 1,2 carro de eio por habitante.

 

Esse aumento da frota de carros provavelmente também afetou o transporte público...
Nas pesquisas concluímos que um carro a mais na cidade tira até 25 agens por mês do sistema de transporte coletivo. No entanto, essa perda não é permanente. Ela vai depender, por exemplo, do clima: quando chove, as pessoas saem do transporte público, vão para o carro próprio e por isso durante os períodos chuvosos o trânsito fica um inferno. Ou perto do período de pagamento, quando a pessoa ainda tem dinheiro para encher o tanque. O motorista do carro particular se move entre o carro e o transporte público. Vamos imaginar que a gasolina fique cara demais, e aí a pessoa vai para o transporte público, mas não vende o carro.

 

O sistema de ônibus de Curitiba se tornou uma referência mundial de eficiência, especialmente pelos corredores e pelas estações em nível. Costuma-se dizer o Bus Rapid Transit (BRT) nasceu aí na cidade. Por que as pessoas estão deixando de usá-lo?
O sistema é muito confiável e estável. A frota é sempre nova e a segurança dentro dos ônibus realmente é muito boa. Havia problemas de assaltos, até a instalação de um novo sistema de segurança. Em relação ao conforto, se uma pessoa vier para o centro fora do horário de pico, ela virá sentada, tranquila. Mas às seis da manhã os terminais e os ônibus ficam lotados. O grande problema é que mais tarde os ônibus rodam vazios. E esses ônibus circulando sem ageiros contribuem para o preço da tarifa, que acaba chegando aos atuais seis reais.


Sim, mas isso é um processo inerente a qualquer transporte público urbano...
O ponto principal é como tornar o transporte também atraente para os ageiros de curta distância. Pagar seis reais para andar um ou dois pontos de parada fica caro e, dependendo da idade, da condição física da pessoa, ela vai a pé, vai de bicicleta até uma distância de cinco ou seis quilômetros, com relativo conforto. Aquele que mora mais longe e que não tem como comprar um carro, uma motocicleta, e que não tem condição de fazer esse transporte todos os dias de bicicleta, ele fica refém do transporte público e da tarifa. E, infelizmente, o transporte público ainda carrega o estigma de ser o transporte do pobre. Então, para algumas parcelas da população, sair do transporte público sinaliza uma ascensão social, mesmo que essa pessoa fique parada no trânsito congestionado, enquanto os ônibus circulam livres, nos corredores exclusivos.


Mas certamente, o transporte individual oferece mais flexibilidade nos deslocamentos, permite que a pessoa aproveite a viagem para solucionar problemas pessoais...

Uma ideia que já está em fase de projeto piloto é o de um bilhete com validade flexível, de forma que o ageiro possa descer em um ponto, fazer algumas compras, na padaria ou no supermercado, dentro de uma janela de 30 minutos, e depois seguir para o destino final, sem pagar mais uma agem.


E em relação aos ageiros perdidos para as bicicletas?
As bicicletas, cada uma delas, retira 52 agens por mês dos ônibus. O ciclista, ou aquela pessoa que se torna ciclista, em geral era um ageiro que percorria trechos curtos de ônibus, aqueles deslocamentos que podem ser feitos de bicicleta sem que a pessoa se canse demais.


A oferta de ciclovias influencia essa decisão?
Estamos concluindo um estudo, que ainda não saiu da nossa prancheta, mas que já mostra maior adesão à bicicleta em função do número de ciclovias disponíveis. Só que, onde estão essas ciclovias? Elas estão disponíveis dentro de um anel central da cidade, o que também corrobora a inferência de que estamos perdendo o ageiro de trecho curto.


Não há ciclovias radiais que atendam aos bairros mais distantes?
Temos algumas ciclovias mais longas, inclusive dentro de um dos trechos estudados. É a rota Boqueirão-Centro, que tem 12 km. A ciclovia é bem usada, mas, de novo, se você observar em detalhe vai verificar que a maior parte das viagens percorrem trechos curtos, e não de ponta a ponta.


Curitiba não tem nenhum sistema que permita a interação entre bicicleta e sistema de transporte coletivo, seja com bicicletários ou com o transporte de bicicletas nos ônibus?
A prefeitura já colocou em circulação ônibus com racks para o transporte de bicicletas, mas a adesão não foi muito expressiva. Há também bicicletários nos terminais. E tivemos uma campanha recente para estimular o uso dessas instalações e também das bicicletas compartilhadas, algumas elétricas, que foram instaladas perto dos pontos de desembarque. Foram colocados alguns paraciclos ao lado das estações-tubo, onde há um cobrador que, teoricamente, poderia vigiar as bicicletas, mas essa não é a função do cobrador e a medida não trouxe confiabilidade. A cidade quer buscar, obviamente, essa integração entre os modos de transporte: você faz um trecho de bicicleta, de moto, estaciona seu veículo com segurança e prossegue a viagem com o sistema municipal de ônibus. 


Nota:
 A informação sobre a perda de ageiros do transporte público para as motocicletas não foi confirmada pelo entrevistado. Mas seu trabalho Patronage loss and bicycles: Factors influencing mode transition from a strategic digital city perspective registra uma média de 201 agens/mês perdidas para cada nova moto inserida na cidade de Curitiba.


*Leia os trabalhos de Luis André Wernecke Fumagalli sobre o transporte público em Curitiba. A pesquisa tem co-autoria de Denis Alcides Rezende e Thiago André Guimarães:





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